Thursday, May 25, 2006

esbarrão

almo-jantar.
acor-dormir.

de repente parece que tudo está meio sem cor.
há quanto tempo? dias? semanas? meses?

não se sabe nem se está tudo mesmo sem cor,
ou se houve uma tonelada de infelizes coincidências.

não ter que fazer nada é diferente de ter que não fazer nada.

e no meio desse monte de nada, me esbarra um trecho da mestra
que, segundo o pé de página da época, era "eu":

"Ouve-me. Ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. (...) Capta essa outra coisa que na verdade falo por que eu mesma não posso."
in: água viva, Clarice Lispector.

e o silêncio pode ser colorido.
às vezes.

Monday, May 08, 2006

o garimpo

amar começa muito cedo. daí vem a vida a fora.
algumas tentativas. muitas falhas. dezenas de pedrinhas garimpadas, algumas com menos importância.
poucos arrependimentos. pelo menos.
de volta ao balanço de maré alta [ou baixa], se vai buscando fazer verter ouro de alguma das minas em que se garimpa.
o garimpo é intenso. duradouro ou esporádico.
algumas pepitas surgem em cada busca. cada pepita com formato, peso e valores diversos.
tudo bem guardar as pepitas?
até então a mineradora insone padece da terrível falha que é acreditar [às vezes] que há uma mina certa para cada minerador. e que há fim na busca que parece infinita.
o suor e o cansaço dela são a prova de que nem sempre o esforço é válido. que às vezes só gera mais bagunça. mais coisa pra consertar. e consequente insônia.
dorme pedreira, dorme...

Wednesday, May 03, 2006

Mantra

Momentos de suspense são como esse.
Do vazio. Do não saber o que vem em seguida.

Do desânimo misturado com sono e com expectativa de coisas.

Da falta primordial explícita nas altas horas da noite ou nas alturas de uma bebedeira.

Eu tenho um "mantra". Ele diz: "Nunca vai dar certo", ou então: "Nunca vou encontrar".


Tem dias em que eu não me lembro dele. Tem dias em que ele não se lembra de mim. Em todo caso, somos amigos. Eu e o mantra.

Tuesday, April 25, 2006

Life's Tuff. Life Stuff.

Já no andamento deste ano novo, novo mesmo e cheio de idéias muito loucas de verão, o estômago sofre um pouco como sempre, não pelas refeições mal feitas, mas pelas emoções entortadas.
Há a busca por um pouco de sossego, que até existe, mas não para a cabeça que roda para todos os lados. A vida é toda cheia de opções horrorosas, de meio-caminhos para a felicidade, de odiosa realidade das coisas.
Tenho saudades de tudo. Saudades da pouca energia que precisava antes de tantas novidades. Saudades de não suar frio e de não ter tanta dor no estômago ao pensar nas pessoas que vêm para não dar certo. Tenho a impressão de que nunca dá certo.
Mas o que é dar certo, afinal?! Eu nunca soube. Às vezes parece certo e de repente: "Hey, you've got to hide your love away...". Odeio.
O desencontro quando vem dá uma certa vontade de morrer. Por que ele dói e com ele murcha um pedaço da gente. Machuca um pouco e vira um non-sense mais desagradável do que gostoso. Aí a gente fica meio sem sonhos. Sem sono e sem sonhos. Num "entre" que não é nada.
E depois passa. E começa tudo de novo...
De novo o estômago gelado se revirando. É engraçado como as paixões mais tolas, na hora fazem tanto sentido, preenchem tanto a vida e acalmam uma ansiedade maior que a vida. De existir sem saber porquê.
Existir por amor é dar sentido à existência que antes disso é muito morna e pacata.
Acontece que paixão não é sempre matéria bruta de amor, e descobrir isso corrompe o sentido de se apaixonar.
Paixão vira faísca de fósforo. Vira besteria "que passa". Depois de muitas, o corpo e o coração cansam. Cansam dessa exaustão toda a que todo esse emprenho energético leva.
O sexo em si é outra coisa. Nem da paixão ele precisa. Paixão, aquele mito faiscante da adolescência, começa de uma energia sexual, mas depois a gente cresce, fica chato e burro e demanda mais do que essa energia. E se permite ter menos energia e mais conversa, mais estresse, mais planos para o furuto (que naquela época não existia de verdade, pelo menos assim, tão grave).
De qualquer maneira a gente cresce. A gente descobre que "as coisas são assim mesmo", que há pessoas, que há amores, que há o sexo. E a gente vai vagando entre essas coisas e se apegando aonde elas satisfazem mais. Não mais por paixão. Muito por apego, por afeição, um pouco por carência.
Imaginem, logo eu, hoje tenho medo de paixão. Quase me nego a sentir aquele turbilhão todo por dentro. Por que não queria mais morrer de amor sem saber no que vai dar. Às vezes não posso me entregar. E pra isso choro tanto de dor que morro junto com essa minha impossibilidade. E morro um pouco, porque estou matando em mim uma potência gigante que eu tenho de me entregar, sofrer e amar desesperadamente as pessoas. Mas não posso fazer isso agora assim, "de graça".
Descobri que há um jeito outro de viver as coisas. Com mais serenidade e sobriedade. "Independente e sem amor", por mais sem graça que isso me pareça olhando dessa forma. E consigo isso meio fingida, porque sei que no fundo eu acabo semre envolvida na parte que me toca. Mas "aprendi" a tentar não entrar em contato demais para não me deixar abater.
Descobrir isso pra mim é um sintoma grave e inédito. E meio chato, sem tantos mistérios. Blah.

Tuesday, April 18, 2006

Ajuda?

Faz um tempo que eu achava que não precisava de ajuda. Eu não me dava conta. Ìa vivendo, vivendo, aqui e ali, sem falar nada.
Vidão besta vai deixando a gente encouraçado. Cheio de casquinhas. Daí, então, uma casquinha às vezes raspa em alguma coisa e solta. A casquinha abre uma brechinha na couraça. A brechinha olha o mundo com vontade de pedir ajuda, mas a couraça em geral não deixa.
Mas quem sabe... a brechinha acha que abre. Que pode. E pede.

Ajuda?

Sunday, April 02, 2006

Agora?!

Não é que as coisas façam um sentido.
Nem é também que de repente se enxergue algo adiante.
Também não foi uma tempestade que passou completamente.
Mas tem um momento de bonanza.
Tem certa produtividade e até um pouco de felicidade.
Existem muitas coisas, que correm em diferentes direções, que se inter-relacionam hora ou outra e acabam fazendo a vida valer a pena.
Existem desvios do caminho. O "caminho" não tem cara de caminho. Parece outra coisa.
Mas eu tenho eu. Eu tenho um pouco dos outros também.
Eu consigo rir de mim com eles e rir deles sozinha depois. E rir deles com eles. E rir de mim sozinha.
E eu consigo chorar sozinha (isso, com eles é mais difícil...). E alguns conseguem chorar comigo.
E eu ganho uns abraços, uns carinhos. E eles são um calor a mais. E eu uso o calor deles como combustível pra aumentar o calor de mim. De mim pra mim e de mim pra eles.

E a vida continua. Vaga. Cheia de mudanças. E de constâncias. E de esperanças.
Sempre elas.

Tuesday, March 28, 2006

Tentação em vão (crise insône-literária)

Algum dia aprovo meu sono, miro meus sonhos e durmo feliz. A hora é agora: espera a aurora e deixa que chore sua mente querida que zela por fazê-la calma e descansada ao novo dia.
Quando a aura está pura, purinha, não há leitura que inspire a grande literatura. Precisa uma cisma, um bicho de pé que incomoda bem pra sentar e escrever com a alma. Senão não: é página infrutífera, é engodo. É tentação sem conseguimento. (Com o devido respeito.)

Sunday, March 26, 2006

Conto pela metade

Sentada à beira da cama, em seus pijamas, olhando seus pés em chinelos de algodão. Que dia fúnebre seria aquele? Pela janela, não mais do que uma fresta de luminosidade opaca indicava um dia cinzento.
O rosto oleoso pedia para ser lavado, como se ela tivesse conseguido dormir a noite toda. Os olhos pesados de inchaço, como os pés. Os músculos flácidos do rosto expressando total falta de energia. A boca entreaberta, as sobrancelhas desajeitadas, e os cabelos ainda mais.
Os ombros curvados. O tônus de Clara ao acordar era de um artificialismo impressionante. Dava a impressão de ser uma manhã qualquer, em que se lavaria normalmente, prepararia um café e abriria as cortinas e as janelas. Mas neste dia havia um esforço a mais para o que antes seria o simples cotidiano.
A noite insone tornou-a imune a certos estímulos. O tempo entre o jantar e o desjejum passara para ela em extensos minutos. Ouvia o cricrilejar dos grilos, o farfarolar de alguns ramos nas árvores, desavenças entre gatos e ratos, na rua próxima. Imóvel passou toda a noite, quase sem perceber como. Acompanhou o raiar do dia com serenidade e tratou de erguer-se como de costume, a não ser por aquele modo de fitar os próprios pés calçados no algodão das chinelas. Seu ímpeto era o mesmo de todas as manhãs anteriores: prepararia o café após lavar-se e então iniciaria seu rotineiro cuidado doméstico.
Mas o algodão das chinelas... O rosa desbotado daquelas relíquias que foram presente de seu querido sobrinho faziam-na inadvertidamente se remeter ao rosa vivaz que tingia-os no princípio. Quando do princípio? Princípio do quê?
Aquele rosa em sua lembrança e o branco outrora alvo de sua peça de dormir lhe faziam em prantos. O que fora de suas cores?
Caminhando pela casa, se obrigando a mover-se como se movera por todos esses anos, já não podia deixar de lamentar pelas cores de todas as peças de seu habitat. Os móveis, as cortinas, os tapetes, os armários, os azulejos e até mesmo o pequeno cão, que dormitava encolhido no sofá, todos sem cor.
A vida lhe faltava e ela estivera essa noite inteira percebendo como as horas passam e não param para nos esperar.
Sua vontade era a de ter partido com João. João, seu companheiro de vida e de sempre, fora mais frágil. Essa fragilidade dele, de deixá-la, de entregar-se, de partir de uma vez, a atormentava. Ela, que se sentia tão fraca, que era dependente de seu colo, de seus braços, de sua voz macia a acalmá-la com qualquer bobagem tola.
Nesta noite e em todas que se seguiriam ela não poderia tatear sobre o colchão em busca de sua mão. Não poderia perguntar se ele conseguira dormir desta vez, ou se queria conversar mais um pouco até o sono chegar.
O tom amarelo-acinzentado do dia lhe dizia assim: não haverá João. Não haverá braços, abraços, sorrisos ou ranhetices.
O vazio era este, como se, num primeiro instante, Clara não soube definir o diâmetro do buraco negro. Porque era negro. Sem sentido, encarar os afazeres. Um sem sentido ainda um pouco difuso.
E as malditas chinelas!! O algodão empelotado, o tom desbotado. Do outro lado da cama o pequeno tapete não estava torto, nem virado ou dobrado. Estava intacto. Chinelas de couro não flapejavam ritmicamente até a janela que ela abrira. O cheiro de café não fazia com que passos descessem a escada certeiros. E os ruídos da casa eram altos demais, perto daquele silêncio gritante. Nunca o silêncio a perturbou tanto. E era uma perturbação serena.
Notou que nem o café amargo e nem o pão (amolecido por dentro e crocante por fora) tinham gosto. E lhe ocorreu que talvez eles nunca houvessem tido e que o que ela sentia não era o gosto das coisas que comia, e lembrou que quando criança jurou por “tudo que há de mais sagrado” que morreria se não pudesse comer o algodão-doce na casa de sua prima Nicole, já que o algodão-doce de seu Genésio era “o melhor da cidade”. E era. Pois era o único que celebrava os encontros entre duas grandes amigas, que selava horas de brincadeiras insuportavelmente maravilhosas, de conversas e de descobertas muito importantes. Se a tarde havia sido doce e cor-de-rosa, como poderia Clara voltar para casa sem consumá-la com um novelo de açúcar rosa-choque?! Nem ela, nem tia Dulce permitiriam.
Mas, nas manhãs com João, o café amargo louvava o gosto do fruto de sua terra e das antigas fazendas da família. Além disso, fazia-os acordar de uma só vez! O pãozinho, sempre meio murcho do dia anterior, precisava ser revigorado com um dedinho de manteiga. E o dia começava, os murmúrios se alegravam e conversas se alastravam até a hora de se despedirem para se reencontrarem à tardinha.
Mesmo antes de os meninos se casarem, as refeições, principalmente o café da manhã e o jantar, eram as reuniões sagradas dos Botero, já que “as crianças” não podiam voltar todos os dias para almoçar.
Luiza preparava o feijão desde cedo e esperava que Clara voltasse da escola trazendo os meninos. Lucas só comia o que lhe dava na telha. E Joana, comia um titico, desde menina. João é que era o boa boca da casa. Com o prato mais colorido da mesa, traquejava gracinhas para fazer os meninos provarem novos tipos de verduras e legumes. Clara não os deixava sair da mesa sem um bocadinho de algo verde no estômago.

[...]

Thursday, March 23, 2006

Afirmações

Algumas meninas vão a “raves”. Os garotos vão aos bares. Os músicos vão aos shows e os cineastas aos cinemas. Os gays vão aos guetos. Os namorados vão ao motel, os casados vão à casa da sogra. Os pais vão ao shopping, ao parque, vão até a escola. Todos vão ao supermercado. Todos comem e todos vão ao banheiro. Os homens vão ao masculino e podem usar o mictório. As mulheres não.
As mulheres podem engravidar, os homens não. Mas podem fazer xixi em pé. Os aleijados não. As crianças podem usar fraldas e os velhinhos também. Os jovens podem fazer piercings se os pais deixarem (se não deixarem, também).
Menores de idade podem dirigir, mas podem levar os pais para a cadeia. Adultos podem ser apaixonar por crianças e irem para a cadeia. Crianças sempre se apaixonam pelos adultos e nunca vão para a cadeia, só vão se assaltarem um adulto. Ou uma criança, ou um velhinho.
Os jovens têm mais energia sexual. Os adultos e crianças também têm. As crianças não sabem o que é “sexual”. “- Sexual é desejo, meu filho”. É querer. E querer, todo mundo quer, alguma coisa. Mesmo que não saiba o quê.
No banco, as pessoas fazem fila. No McDonald´s, no refeitório, no banheiro da balada, na entrada de casa, no dia do aniversário do amigo também. Filas se organizam para que todos tenham sua vez. Mais, ou menos, as filas funcionam. Às vezes elas falham e as pessoas não podem ter cada uma a sua vez. Algumas pessoas furam as filas.
Homens, mulheres, crianças e velhinhos se olham no espelho. Os cegos não olham. Todos ouvem música. Os surdos não ouvem nada. Alguns se reconhecem no espelho. Alguns psicóticos não se reconhecem, nem dentro, nem fora do espelho. Nem os bebês. Os bebês não entendem muitas coisas. Vão entendendo bem devagarinho. Ou achando que entenderam. E depois descobrem que entenderam tudo errado e começam a entender tudo de novo. Às vezes certo, às vezes errado, de novo. E às vezes nunca entendem nada. Às vezes morrem. Até os bebês morrem. E ninguém gosta de pensar nisso, mas que eles morrem, eles morrem. Por que quando há alguma coisa errada ou há um acidente alguém pode morrer. E um bebê é muito frágil (por que não entende nada) e morre ainda mais rápido do que uma criança, um homem, uma mulher ou um velhinho.
Às vezes se morre quando não há nada errado. É preciso que haja sempre pelo menos alguma coisa errada. Para não morrermos. Não morrer é quando a gente sabe que está vivo. Se a gente não sabe, a gente morre. Sem querer.
E geralmente não se quer morrer. Raras vezes se pensa que se quer, mas em geral é mentira. Pode ser uma desesperança. Uma preguiça de viver, ou uma angústia maior do que se está conseguindo suportar naquela hora. Às vezes é genuína essa vontade e se morre mesmo. Algumas pessoas se suicidam nessa hora. E nunca podemos saber porque o fizeram, porque elas não voltam para nos explicar. E nós ficamos bravos, curiosos, tristes, ou com vontade de fazer igual, mas nem sempre fazemos.
Amor e morte estão muito próximos, dizem. Dizem que o ápice do sexo é uma sensação que podemos comparar à da morte. Como podemos comparar algo à morte se nunca morremos antes? Nunca morremos e falamos sobre como é a morte, como se pudéssemos metaforizá-la. E podemos. Podemos metaforizar qualquer coisa. Pra isso servem as metáforas. E pode ser que elas sirvam para alguma coisa, por exemplo, para nos fazer pensar na morte de um jeito menos desconhecido como olhávamos antes de metaforizá-la. Pelo menos serve pra escrever um texto como esse. E não chegar a conclusão nenhuma.

Perguntas

Porquê? Como? Quando? Onde? O quê? Quem? Qual?
Nunca respostas. Sempre perguntas. Perguntas sem realmente procurar respostas.
Por que só as perguntas incluem os outros. Afirmações respondem aos outros. Afirmações são esperadas e não feitas. A não ser que peçam por elas. A não ser que haja alguém no mundo que as necessite. Se não, não.
Perto de uma resposta há sempre uma pergunta que foi feita. Ou há uma pergunta simplesmente. Uma pergunta sem resposta se o for. Uma pergunta que é revidada com outra, que é revidada com o silêncio que já é em si resposta.
Indagações são sempre novas, mesmo as velhas. Um cumprimento já é questão. O olhar já é questão. Existir já é questão. Questão de coragem, de força, de busca. Uma busca nunca é uma afirmação. Existir afirma as perguntas.
Sem elas não há nada. Questão de tempo perceber a necessidade que as respostas têm de existir enquanto campo para novas perguntas. Duas afirmações são diálogo. Uma afirmação seguida de uma negação também. Mas são perguntas que são existir. Por que há um objetivo maior atrás de todas elas. Há a necessidade de compartilhar. Há a necessidade de conectar. Com o outro, sempre com o outro. Para o outro? Ou para si mesmo? Talvez apenas com.
Muitas coisas silenciam perguntas. Mas elas existirem basta. Basta para preencher a necessidade de existir.
Sem essa coisa-outro não tem graça. E essa coisa-outro pressupõe perguntas. “Como vai?” é como dizer “como é ser você?”, “como é aí do lado de fora de mim?”, “por que é possível deste lado haver algo diferente daqui de dentro?”, “onde fica você?”, “quando é que você existiu primeiro?”, “o que é ser você?”, “quem é você?”, “o quê faz você ser você e eu ser eu?”, “que diferença faz sermos dois e não um só?”, “por que é possível eu entender que você não sou eu?”, “quer saber como é ser eu?”, “qual é esse nosso limite?”, “porque estamos perguntando?”...
Quais as perguntas, como são feitas, com que objetivo são feitas fazem parte do ser a si mesmo. Em busca de entender através do outro o que nos falta. Porque alguma coisa sempre falta. Felizmente falta, daí se pode ir buscá-las nas perguntas. Daí, não nos fechamos sobre nós mesmos. Porque não podemos.
O outro afirma a própria existência. As perguntas seguidas das respostas. O toque do outro no limite do que sou eu, que é meu corpo. Uma resposta às vezes é um toque. Um toque de acolhimento ou de recolher. O som da fala é um toque. Um toque que precede o toque físico, mas que não prescinde dele.
A voz, o som, a música entra pelo corpo do mesmo jeito que o calor do toque. E preenche uma falta, ajuda a existir e a continuar a busca. Por que precisamos perguntar quem nós somos ao outro? Por que ele saberia melhor do que nós?
E a carência de não ter um outro com a atenção voltada (ao menos parcialmente) para nós é uma carência? Ou é um sinal de saúde na busca de contorno?
O que fazer desta falta é uma pergunta. Quando ela chega todos são acionados a ajudar. “O que eu faço?”, “O que você acha que eu faço?”, “O que você faria no meu lugar?”. E ainda que nunca possamos realmente estar no lugar do outro, podemos ajudar. Podemos imaginar a partir do que o outro é como seria ser este outro. E podemos errar ao dizer a ele o que fazer. Só por que não somos ele. Mas só saber como faríamos lhe basta. Por que a pergunta foi antes “como é ser você?”. E a afirmação foi “eu te ajudo a ser você, mas só posso fazê-lo a partir de quem sou e nada mais”.
Esse limite não é transponível. Por isso existir dá angústia. A angústia é nunca ser possível uma compreensão total do outro. A angústia é não existir uma verdade que caiba a todos nós. A angústia é a missão eterna de perguntar, de decidir a partir do possível e não do certo. A tarefa é infinita e cansativa. E deve gerar prazer. Sem prazer não se continua indagando. Não se avança no questionário colossal da vida.
Um bicho não pergunta, mas ajuda a gente a formular questões. Só porque existe e não pergunta. Papo furado pensar nessas questões aqui sozinha. Tudo para perguntar mais para mim mesma e chegar ao outro com menos angústia e sabendo que ele não sabe como eu sou e que eu não sei quem ele é. E que nunca saberemos. E, por isso mesmo não paramos de tentar entender.

Tuesday, March 21, 2006

Medo meu

Tem sido muito reconfortante viver com mais plenitude e tranquilidade. Tem sido importante externalizar minhas vontades e ter ajuda dos amigos para conseguir viver e ser feliz apesar da solidão. Solidão é mágoa, mas que não cobre tudo. Consigo desfarçar a amargura em minha boca com alguns papos e trunfos.
Um pouco de paz na cabeça cai bem. Bastante suor e cerveja também. Vinícius, arte, consolo. Eu queria mesmo era me bastar. Não pensar tantas horas em quem virá pra me salvar. Po rque ninguém vem. Ainda que a busca seja válida. Ninguém vem.
O vazio vem, o pranto vem, o sonho vem, alguns encontros também. Mas ninguém vai me salvar do que eu sou. Ninguém vai me libertar de como sou.
Preciso dessa profundidade aplainada. Preciso da vida em sintonia com esse turbilhão. Eu, que sou das profundezas, preciso das bordas. Preciso da superfície que me mostra tantas coisa bonitas.
Quero crer que não há nada fora tão necessário quanto o emaranhado de dentro. O dentro também não me salva.
Melhor seria não precisar ser salva. Melhor seria não buscar a salvação.
Salvação de quê? Do duro e denso da vida? Não. Do extremo abismo à vista? Não. Do estar no silêncio ser-me? Não. Não quero me salvar. Não quero mais que me salvem.
Quero querer o risco. Quero bancar o vício de viver completamente. E suar sozinha, dançar sozinha, sonhar sozinha. Sem encontrar fora. Nem dentro.
Quero abraçar esse medo. Quero caminhar ao lado dele, conhecê-lo por dentro. E chamá-lo para dançar. Eu e meu medo profundo. Eu e meu medo do mundo. Eu. E só.
Não quero o outro por medo. Não quero pensar em alguém por que temo. Não quero buscar no vazio. Sentir sem sentí-lo. Olhar sem poder vê-lo.
Meu medo, esse grande guerreiro, me deve a honra de poder vê-lo ao meu lado. Meu medo me espreita e ataca em ondas, sem mostrar-me seu rosto.
ei! Senhor medo meu, medo meu do abandona e da solidão, por favor se apresente e me acompanhe solene, seja então meu irmão. Medo querido, se aninhe comigo e me caonte uma canção.
Eu e tu beberemos, afinal conhecendo um do outro a razão. Sonho com nossa valsa, tão suave toada a ninar meu coração.
Tenho a ti como bravo guerreiro, amante, companheiro e irmão. Lutaremos com força no destino de algo que ainda não sei não.
Me procure e me beije, me propondo a vertigem e louca sensção. Me provoca esta tara, esta mágoa sentida e me larga no chão.
Se eu pudesse traria, tú meu medo profundo para um altar de perdão. E velaria pra sempre a tua presença clara que antes era borrão.
Gosto de ti agora e proponho por ora, que me dê tua mão.

Monday, March 20, 2006

A menina e a flor

Era uma flor branca e esplendorosa.
Ao ver a menina chegando se aprontou toda,
Abriu as pétalas mostrando todo o seu volume,
Atiçou o cheiro mais forte que tinha e
Gritou, sorrindo: "sou flor e estou fresca!"
A menina olhou e disse: "apanho flores a pouco tempo.
Antes apanhava gravetos, mas já estou crescida agora e colho flores."
"Venha! Não me queres?"
"Sim, mas ainda não tenho prática, não quero me machucar e vejo que tens espinhos!"
"Espinhos, boba? Não te aflijas, só arde um pouco e depois estanca."
Tola, a menina sorriu e debruçou-se nela.
Arranhou-se toda e estraçalhou a bela.

Então...

E então, como se um encontro de muito tempo tivesse se materializado num instante, se olharam, as mãos desajeitadas se tocaram e o que não sabiam dizer, não disseram.
Não disseram nada. A dúvida continuava suspensa, o mar de lágrimas suspenso, o peito afoito e os suspiros suspensos.
O tempo era de esperar. Pelo quê, não sabiam. O tempo era só um jeito de se organizarem por dentro. O tempo e a falta. O tempo e a solidão. Solidão de si ou solidão dos outros? Ela não sabia.
O gosto amargo de uma boca sem beijos, o corpo frio de uma vida sem abraços, sem afagos.
- Minha companhia são os livros. Estou triste de saudades pois terminei um livro ainda ontem. Estávamos nos dando tão bem... E eu agora já o conheço ao cabo e ele se cala quando isso acontece. Agora nos largamos e estou só novamente.
Já era hora de ir pra cama. Ela sabia que deitar simplesmente não a faria dormir. Seu sono há muito não era possível. Não era possível à noite, porque de dia era só o que tinha. A manhã não fazia muito sentido acordada, então dormia. E era assim, dia sim, dia não, dormia. Quando dormia, dormia muito. Tanto que até pensava que não teria mais sono, mas sempre tinha.
Sua cama não era cama, era colchão, direto no chão. Sentia tanto frio e às vezes, por causa do pó, acordava toda entupida, congestionada.
Um bichinho – gato – se enrolada sempre no seu pé, perna ou nas costas quando estava de bruço.
Às vezes, com raiva de todo o tipo de afeto enxotava o bichinho dali trancando-o para fora, sem contato com o quentinho da pele dela.
De vez em quando sonhava tanto em ser outra coisa, que era. Vivia em outra casa, tinha outros tipos de afazeres. Sonhava com luxos e confortos, com outro corpo, outro jeito, outra voz, outro jeito de ver a si própria. Queria uma espécie de paraíso, mas que fazia dela um ser feliz momentaneamente.
Às vezes, dos livros e filmes que via se confundia tanto com alguma personagem que chorava como louca ou sentia sê-la, conhecê-la ou amá-la ou odiá-la. Via-as em fisionomias conhecidas, se arrepiava de imaginar que cruzava uma linha entre aquele mundo e o seu, que em algum nível não eram tão distintos.
Mas esses sonhos eram quando estava acordada. Quando dormia só sonhava com pessoas reais, aquelas que conhecia mesmo, com quem pouco se identificava, pois tinha a sensação estranha de ser única entre todos e excêntrica também. Talvez fosse mesmo, mas sua maneira de lidar com isso exacerbava o que chamamos de saudável.
Fazia redomas sobre suas entranhas. Nunca permitia que vazasse algo seu dali pra fora ou se caía, saia correndo por medo excessivo desse monte de coisas.
Não sentia em público, pois tinha vergonha. Não conseguia conceber que sentir fosse algo natural e até bonito. Queria luzes apagadas, solidão e tempo para sentir escandalosamente. Sentir era um evento egoísta e só seu. Era um ritual grotesco que ela guardava até ela precisar tanto sair que rasgava sua pele, quebrava a redoma posta cuidadosamente e ela corria como uma ladra fugitiva para um canto imperturbável.
Ali tudo acontecia. E o “tudo” era muito por ser acúmulo de pequenos “muitos”. Brotavam lágrimas e o corpo insatisfeito com elas gritava, gemia, chacoalhava, escorria, tamborilava. Às vezes regurgitava, ou tinha cólicas nauseantes. Dores de cabeça vinham depois de algum tempo da crise.
No meio da crise ela sempre se perguntava se haveria um deus (o que em outras ocasiões ela raramente se questionava ou mesmo citava), se isso era algum castigo e invariavelmente pedia clemente que aquilo cessasse por algum tempo – por que sentir a exauria compleamente. Era muita dor, muito esforço. Muita água e um intenso alvoroço.
Ela irrompia quase sempre à noite. Muito raramente à tarde num dia mais cinzento ou frio. Acho que o calor, ainda que não humano, fazia dela uma criatura menos à flor da pele.
Sua felicidade a exauria tanto quando essas angústias intensas. Felicidade que eram momentos de excitação tão intensa que pareciam uma taquicardia. E de certa maneira eram.
Há algum tempo sua visa passava em sua cabeça como um filme e ela queria saber como continuaria e pensar na vida assim facilitava. Ela queria controle, queria rédeas desse turbilhão.
- Mas não é sempre assim, confuso? – a menina da mãe desajeitada lhe perguntou, e ela não tinha resposta. Queria na verdade dizer:
- Não, não! È bem mais simples: é assim assim ou assim assado!
Mas a dizer isso ela preferia não dizer nada, ou dar de ombros, fazer cara de paisagem que doeria menos, faria menos sentido e demandaria menos pensamento.
Porque pensamento cansa, e dói e tudo. E ela queria um tempo. Não sabia se para pensar mais ou menos.
Ela estava acostumada a cuidar de gente e já não sabia se déia continuar cuidando ou se devia começar a pensar na dificílima possibilidade de pedir contato. Como era difícil pra ela aceitar. Difícil conceber a idéia de que talvez precisasse de colo, de ajuda, de cuidados. Via-se tão necessária, mas não julgava precisar de ninguém ou de nada. Achava natural sofrer. Seu estado natural era esse, era o sofrimento, a tristeza, a falta, a angústia, a não necessidade.
Na verdade fazia algum tempo que começara a sentir necessidades. A ela chamava “desejos”. E achava que desejos não eram nobres, mas apenas luxos que a gente inventa. Sonhos para continuar viva.
De repente percebeu que seus “desejos” eram necessidades. Que seus sonhos precisavam de ouvidos, mas tinha deixado de ouvi-los por tanto tempo que corou ao perceber que perdera tantos e deformara tantos outros ao bel prazer das necessidades dos outros, que fraquejava. Lágrimas brotavam automaticamente a cada lembrança esmigalhada. Ela lembrava que ali tivera um sonho, mas o sonho não sabia mais qual era. Lembrava que a sensação que teve ao identificar o sonho era tamanha que na época lhe sufocou, mas agora eram menos que vestígios.
Queria sentir, mas já não sabia como. Estava muda, cega e surda diante de um universo de necessidades.
Agora o tempo que tanto queria era inútil por que não sabia que o que ela procurava tinha ficado no passado, nela mesma de anos anteriores com quem ela não conversava nunca e não tinha mais quase contato algum.
Lembrou da mão desajeitada que fora sua companheira tempos atrás. A primeira vez que tocou aquela mãe era ela inteira desajeitada, tremia até nos nervos, dentes, cabelos. Encontrar. Entre. Será que se cria treino para isso? Ela não tinha.
Como é que se sabe o que se quer na vida? Se não nos explicam as possibilidades! Escolher entre o que? Ninguém sabe orientar. Sabe opinar, ajudar a pensar, mas orientar? Como?! Ninguém está dentro de ninguém! Ninguém sente como ninguém, portanto, estamos sim, cada um por si. Solitários. Cabe a nós decidir o quanto isso nos importa ou incomoda.
Este é o ponto. Este “ser só”. É um abandono incombatível. Esse espaço é o que se tem que para de preencher por que não dá. Mesmo com muitos amigos, mesmo com muito dinheiro e conforto, mesmo casando-se a pessoa que parece que vai completar o buraco com perfeição, dia após dia. Mesmo assim, há um espaço entre as pessoas, entre o “eu” e o mundo, entre o “eu” e a pessoa mais querida e em maior sintonia comigo.

Wednesday, March 08, 2006

Queria escrever sobre umas dores e uns amores

Passaram-se muitos meses desde que eu desisti de amar, para tentar viver algo novo, mais livre e sem tantas preocupações e sofrimento.
Não sei muito bem por onde começar. Eu sempre vivi uma vida de paixões, de avassaladoras invasões do outro dentro de mim, mesmo que platonicamente. Muitas vezes eu passei muitos meses chorando e imaginando como seria maravilhoso ser amada de volta por alguma das pessoas que eu “escolhia” na minha cabeça pra dedicar meus pensamentos, meus sonhos e minha imaginação.
Uma ou outra vez, aquilo que eu sonhava chegou a se tornar realidade, mas sempre com tantas dificuldades que acabavam não dando muito certo, sendo coisas curtas, ou muito desgastantes, ou mais fonte de sofrimento do que de felicidade.
Há cerca de um ano pus “fim” a uma dessas histórias. Uma das mais sofridas e uma das minhas maiores vitórias, ao mesmo tempo. Foi depois dessa vez que comecei uma empreitada de aventuras mal sucedidas. A partir delas, me machuquei muitas vezes. Chorei, compus canções, sofri, me iludi e no meio dessa longa jornada, acabei tendo a idéia de tentar parar de me envolver com as pessoas. Parar de me apaixonar perdidamente e de colocar as pessoas no que chamo de buraco interno (que é a falta, a falta psicanalítica de que tanto falamos em psicanálise).
Antes disso, durante minha superação possível daquela história, tão longa, tão intensa, tão complexa, as paixonites me ajudaram. Ajudaram a conseguir ver sentido em outras coisas, a conseguir colocar o foco em outros lugares para sair do lugar. Ao mesmo tempo, as mesmas paixonites, me colocaram frente a frente com a dureza dos fatos, com a falta de comprometimento das pessoas umas com as outras, com a realidade prolixa e prolífera das pessoas (que nem sempre são promíscuas, apesar da grande quantidade de pessoas com quem se relacionam) que vão caçando bocas e corpos e pequeninas esperanças a que não se dão ao direito de agarrarem por medo.
A caça, por si mesma, acaba inutilizada. O prazer imediato vira um nada. A satisfação da pura curiosidade é alcançada. O ego é massageado ao perceber o volume do desejo alheio. E a vida continua sem atrelarem-se muito os laços, mas também sem desafrochá-los totalmente.
Não sei como eu acabei entendendo como as coisas funcionavam. No começo não entendia, apenas sentia e morria um pouco por dentro a cada vez. Depois, muito sutilmente, eu também acabei enrijecendo. Claro que muito menos do que eu precisaria pra me defender desse jorro de matéria “apaixonável” que sai de dentro do meu peito, mas um pouco que possibilitava às pessoas verem em mim alguém não muito ameaçador.
“Ameaçador”, no termo que uso agora é alguém que se apaixona. Quem se apaixona, hoje em dia, é sinônimo de problema. Por isso já perdi uma ou outra oportunidade: “ melhor não, você se apaixona...” ou ainda, “não, não, você tem sentimentos...”. Engraçado. Achei que todo mundo tivesse sentimentos. Parece que não.
Enfim. Depois, acabei atingindo um patamar mais aceitável de não-paixão. Aquilo que em mim é o mais vivo e mais espontâneo estava agora domado, ferido, machucado e enjaulado. Preso mesmo, com medo de sair e de ser, de novo, apedrejado.
Agora, apesar de muito mais “em voga” e mais defendida, as coisas pararam de fazer sentido pra mim. As pessoas são pessoas. Não são mais seres louváveis, lindos e apaixonantes (Deus que me livre!). São apenas pessoas comuns, com quem posso passar tempo, posso trocar carinho (não muito, ou pelo menos não muito entregue), mas com quem já vou parar de sair, já vou parar de querer, já vou parar de ter vontade de estar perto.
Por que ficar perto demais é muito perigoso.
Sendo assim, o clima agora é um belo “tanto-faz”. Um dos maiores “tanto-fazes” de toda a minha vida. Maior do que nas férias de julho de criança, maiores do que no carnaval em São Paulo quando todos os amigos foram viajar e você não, maiores do que quando se ganha na loteria e não precisa-se mais trabalhar (e nem fazer mais nada).
Não tenho nenhuma perspectiva de me apaixonar de novo. Dizem por aí que é uma fase, que logo que eu encontrar alguém que me desperte algo vou sentir tudo de novo. Outros dizem que eu estou errada de entrar nessa “vibe”. Que não é nada bom ficar sentido isso e que eu devia voltar a me abrir para as pessoas. Eu já não sei. Não sei o que é melhor pra mim. Se que estou num mecanicismo louco.
Aceito os afetos. Eu os quero. Eles me afetam. Mas não estou conseguindo fazer nada com essa afetação. Nada. Tudo vira nada. Por que eu aprendi a fazer isso. E odeio.
Engraçado como antes, sempre que eu podia pedir alguma coisa (no bolo de aniversário, nas brincadeiras infantis que a gente carrega pra vida adulta), eu pedia pra ser feliz. Sempre. Dessa vez, na virada do ano (e até um pouco antes, por causa da dor), eu tenho pedido pra parar de sofrer tanto sempre. Errado, não? Eu acho.